Agência da Caixa, responsável pela administração do FGTS - Tânia Rego / Agência Brasil
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Presidente Carlos Vieira confirmou lançamento de plataforma própria de apostas online ainda em 2025. Objetivo é ampliar arrecadação para suprir queda de receita com loterias
O presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira, voltou a confirmar que a instituição terá uma plataforma própria para apostas online, conhecida como bet da Caixa. Em entrevista ao jornal Money Times na segunda-feira (20), ele confirmou a implementação da operação até o fim de novembro.
A medida é vista como uma tentativa de aumentar a arrecadação do banco público após quedas nas receitas da loteria. A entrada no mercado de apostas online, no entanto, acontece enquanto o governo ainda lida com os efeitos do vício em jogos sobre a economia e a saúde dos brasileiros.
29% foi quanto a Caixa deixou de arrecadar com a loteria entre o quarto trimestre de 2024 e o primeiro de 2025.
A arrecadação com jogos de azar
O mercado de apostas esportivas foi legalizado em 2018 no Brasil, mas só começou a ser regulamentado em 2023, por iniciativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante esses cinco anos, as bets eram permitidas, mas sem regras, fiscalização ou pagamento de impostos.
Lula justificou a regulamentação dizendo que proibir completamente a prática seria difícil. Mesmo assim, ele afirmou que o governo tomaria medidas para conter as apostas. Também declarou que voltaria atrás caso a medida “não desse resultado”, demonstrando preocupação com o vício em jogos no Brasil.
“Tem muita gente se endividando, tem muita gente gastando o que não tem. E nós achamos que isso tem que ser tratado como uma questão de dependência. Ou seja, as pessoas são dependentes, as pessoas estão viciadas” Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, em declaração à imprensa em outubro de 2024
Ao mesmo tempo que o governo demonstrou preocupação, a equipe econômica defendeu a tributação das apostas online como forma de aumentar a arrecadação federal e distribuir os recursos para outras áreas, como educação e segurança pública.
Até então, a arrecadação com jogos de azar pelo governo federal tinha como fonte apenas a Loteria Federal. A modalidade é uma exceção dentro dos jogos de azar considerados contravenções penais. No anos 1960, o governo permitiu a exploração de loterias especificamente pelo Estado e atribuiu a competência à Caixa Econômica Federal.
Com a regulamentação das bets, a Receita Federal passou a contar com uma segunda e mais expressiva fonte de tributos. Entre janeiro e julho de 2025, a alíquota de 12% sobre a chamada GGR (gross gaming revenue, ou receita bruta de jogo) rendeu R$ 2,6 bilhões aos cofres públicos – 24% mais que as loterias, que arrecadaram R$ 2,1 bilhões.
R$ 4,73 bilhões foi quanto a Receita Federal arrecadou com impostos de bets e loterias entre janeiro de julho de 2025.
Na terça-feira (21), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo vai entregar ao Congresso duas propostas para aumentar a arrecadação e equilibrar as contas públicas em 2026. Uma delas – fatiada da medida provisória nº 1.303, derrubada pela Câmara dos Deputados no início de outubro – propõe elevar a taxação sobre as bets de 12% para 18%.
Outro projeto em análise na Câmara prevê dobrar a alíquota para 24%, com prazo de quatro meses (se sancionado) para que empresas de adaptem. A Comissão de Finanças e Tributação aprovou na quarta-feira (22) a urgência da tramitação do texto, encabeçado pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
Por que a Caixa quer lançar uma bet
Mais do que aumentar a arrecadação por meio da taxação de empresas privadas de apostas esportivas, o governo quer abrir espaço no mercado as bets com uma operação própria. Para isso, ele pretende usar a experiência da Caixa com loterias.
A proposta de uma bet estatal tem sido levantada desde 2024, quando a Caixa teve autorização para operar sobre apostas esportivas. Na época, Vieira, presidente da instituição, disse que a modalidade não concorre com as loterias tradicionais e a estratégia poderia atrair novos públicos.
“O mercado do Brasil tende a crescer muito nesse segmento, e o banco quer estar presente” Carlos Vieira, presidente da Caixa Econômica Federal, em declaração a jornalistas em agosto de 2024.
O presidente do banco confirmou o lançamento da bet da Caixa na segunda-feira (20), com início previsto para novembro. Em entrevista ao jornal Money Times, o executivo disse que a plataforma deve operar por meio de um “superaplicativo”.
O objetivo é arrecadar de R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões em 2026, suprindo as quedas recentes na arrecadação das loterias. A receita da modalidade em 2025 deve ser menor do que a de 2024, segundo Vieira.
R$ 27 bilhões foram arrecadados pelas loterias da Caixa Econômica Federal em 2024.
Ione Amorim, economista e consultora do programa de serviços financeiros do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), afirmou ao Nexo que a proposta da Caixa preocupa, pois associa um banco público – ou seja, um banco vinculado a programas e políticas sociais – ao mercado de apostas online.
“O governo conhece todo esse processo em que estamos reivindicando uma regulamentação melhor, com fiscalização e educação financeira, tentando tirar a população de um ambiente de endividamento. Aí vem o principal banco público, de fomento de vários serviços, e anuncia uma medida como essa. É totalmente contraditório”, disse.
Para ela, a experiência da Caixa com a Loteria Federal não justifica a entrada no mercado das bets. “A metodologia [das loterias] já tem um consenso. Os sorteios são feitos com ampla transparência, ainda que haja questionamentos sobre isso. As pessoas sabem quais são os limites, têm clareza do que e como vai ser sorteado. As regras são definidas e elas têm sua zona de limite”, acrescentou.
Já Gabriel Correia, professor do Departamento de Administração da UFF (Universidade Federal Fluminense), disse que a bet da Caixa põe o governo na contramão do bem-estar da população e normaliza as apostas ao ignorar seus riscos.
“Quando um banco público, que se autodenomina em seu site ‘principal parceiro do governo federal na execução de políticas públicas’, age para expandir suas receitas a partir de um fenômeno contraditório como as bets, ele precisa ser questionado”, disse ao Nexo.
“Quais políticas públicas o Estado e a Caixa Econômica se veem capazes de financiar, sendo eles mesmos responsáveis por ampliar os impactos na sociedade brasileira ao colocar mais uma empresa desse tipo no mercado? O Estado, como agente de promoção do bem-estar da população, vai na contramão de sua própria função, sem refletir, junto à sociedade, sobre os impactos [das bets]” Gabriel Correia, professor do Departamento de Administração da UFF (Universidade Federal Fluminense)
Os efeitos das bets na saúde e na economia A entrada da Caixa no mercado de bets ocorre enquanto o Brasil ainda enfrenta os desafios desse fenômeno. As apostas online vêm gerando impactos sociais e legais no país, especificamente em duas frentes: economia e saúde.
5° lugar é a posição do Brasil no mercado global de bets; a estimativa é que o país fature US$ 4,14 bilhões em 2025, segundo a consultoria international Regulus Partners.
O vício crescente dos brasileiros nos jogos fez o SUS (Sistema Único de Saúde) ampliar a assistência para apostadores. Em 2018, foram 111 atendimentos ambulatoriais relacionados a “transtorno do jogo” ou “mania de jogos de aposta” no Brasil. Em 2024, o número subiu para 1.292.
Em junho, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que a publicidade dos jogos deve ser como a do cigarro: alertando sobre os efeitos e os riscos de dependência ao apostar. “A gente pode dar um passo além do cigarro, que é, na própria plataforma, ter mecanismos de acolhimento, de atendimento com profissional, disparar isso [quando o usuário excede o tempo na plataforma]”, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo.
Do ponto de vista da saúde, as bets são consideradas mais perigosas que as loterias. No organismo do apostador, o jogo gera um efeito estimulante sobre o sistema nervoso central, e um fator importante para isso é o tempo entre o jogo e o resultado. Quanto menor o intervalo entre eles, menos o cérebro consegue avaliar os riscos e frear o desejo de seguir apostando. Por isso, as bets, que têm dinâmicas rápidas, são mais viciantes.
Quando a aposta passa a ser recorrente, seus efeitos se assemelham aos relatos de tolerância ou abstinência descritos por dependentes de álcool e drogas ilícitas.
“É um comportamento que acaba prevalecendo, que a pessoa encobre apesar dos problemas que ele possa ter. E isso não a impede de continuar apostando. É a mesma coisa de alcoólatra, que continua apesar dos prejuízos” Ronaldo Laranjeira, psiquiatra, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com pós-doutorado em dependência química pela Universidade de Londres, em entrevista ao Nexo em setembro de 2024.
Além de afetar a saúde mental dos apostadores, as bets comprometem o orçamento das famílias – o que pesquisadores definiram como “betização da renda”.
Em setembro de 2024, um levantamento do Banco Central mostrou que 5 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família tinham gastado R$ 3 bilhões com apostas esportivas online via Pix no mês anterior. De cada R$ 5 destinados à política de distribuição de renda naquele mês, R$ 1 foi gasto com bets.


